setembro 17, 2004

Debate no Gávea

Ainda André Murteira, que responde ao desafio lançado por Fernando Frazão há uns dias -- acerca da literatura brasileira actual, e se a actual é inferior à do passado «ou apenas menos conhecida entre nós do que era dantes»:
«Eu não nego o desconhecimento, com o qual perdemos muito; mas, do pouco que sei, parece-me também que o próprio Brasil não reconhece actualmente figuras canónicas comparáveis às que teve o século passado. Corrijam-me se estou errado, mas onde é que lá há hoje poetas vivos com uma reputação comparável à que tiveram, em vida, Drummond ou João Cabral de Melo Neto? Ou romancistas com o estatuto de Guimarães Rosa, também consagrado em vida? Ao contrário do que acontecia no tempo deles, a "opinião estabelecida" no Brasil não parece achar que haja autores brasileiros vivos particularmente geniais. E isso confirma a impressão da sua literatura viver um certo declínio, embora relativo.»

Aguardam-se mais contributos.

Paulo Francis/2

O André Murteira, leitor do Gávea, recomenda mais um link sobre Paulo Francis, além daquele que já tínhamos indicado (ver coluna dos links).
Além disso, envia também um link com o site de Daniel Piza, a consultar e a reter.

setembro 16, 2004

Primavera dos Livros


Começou hoje, no Jockey Clube do Rio de Janeiro (ah, que lugar!) a quarta edição da Primavera dos Livros.

setembro 15, 2004

Livro Aberto

O programa governamental Fome Livro, que este ano se designa Livro Aberto, escolheu 2.016 títulos para distribuição nacional em bibliotecas (apenas 130). Há alguma polémica, como se esperava, mas foi o princípio. No site da Fundação da Biblioteca Nacional vem a lista dos livros escolhidos.

Mais livros online

O IG (provedor brasileiro que esta semana mudou o nome Internet Grátis para Internet Generation) lançou também um serviço de download (com .zip) de textos integrais de língua portuguesa -- há também clássicos portugueses, como Alexandre Herculano, Eça, Camilo, Garrett, Pessanha, Antero de Quental, Cesário, Florbela Espanca, Gil Vicente, Júlio Dinis ou Vieira -- além de Camões, naturalmente. Tem alguma vantagem sobre outros sites de livros online, uma vez que o download é imediato. Outro pormenor: além dos clássicos de Língua Portuguesa tem, disponível em inglês, entre outros, Joseph Conrad, Poe, Shakespeare (Hamlet, Othello, MacBeth...), Milton (o Paradise Lost...), Agatha Christie, Jane Austen, Darwin, Hardy, Swift, etc., etc. Também aqui, a vantagem é a rapidez do acesso.
Tal como os outros sites, constitui um bom banco de livros de literatura brasileira. Infelizmente, os textos não possuem ficha competente, mas não se pode ter tudo.

Vinicius


Depois de protestos pela nossa falta, já está adicionado o link para Vinicius de Moraes.

setembro 14, 2004

Bíblias no Brasil

Brasil lidera publicação de Bíblias no mundo.

José Eduardo Agualusa

Alguma polémica, na blogosfera portuguesa, sobre a recente entrevista de José Eduardo Agulusa na revista Época -- nomeadamente, as suas frases sobre Saramago. Agualusa acaba de lançar, no Brasil, O Vendedor de Passados (edição da Gryphus).

Ruy Espinheira Filho

Livro do poeta Ruy Espinheira Filho sobre Manuel Bandeira: Forma e Alumbramento. Poética e poesia em Manuel Bandeira (edição José Olympio). O lançamento é no dia 17, em Salvador (onde vive Ruy), na Civilização Brasileira do Shopping Barra. Um de nós estará lá. Ver entrevista de Ruy Espinheira Filho na edição da Época desta semana (link não disponível).

Blogs/vária

Em breve teremos, no Gávea, uma lista de blogs brasileiros e portugueses que tratam do que nós tratamos. Está em organização. Entretanto, aceitamos sugestões que possam escapar à nossa navegação. O endereço de email é para usar.

Lisboa/Rio Grande do Sul

Um português e uma gaúcha decidiram unir as duas margens do Atlântico num blog. Mais literatura.

Dúvidas de método

O Fernando Frazão, que evoca «as carrinhas de chapa ondulada da Gulbenkian que tanto contribuiram para o meu gosto pela leitura» a propósito do post sobre as Bibliotecas do Metrô, em São Paulo, coloca duas questões curiosas: 1) «Depois da pujança da literatura brasileira do século passado assiste-se nomeadamente na sua primeira metade assiste-se a um decrescer de produção em quantidade e em qualidade ou é mero desinteresse dos editores portugueses?» 2) «Comparando o português escrito por brasileiros por autores classicos (Amado, Verissimo etc) com os modernos, noto um afastamento notavel em relação aos português dos portugueses. Será que é preciso traduzir ou "reformatar" os textos?»

Respostas breves, mas só para iniciar o debate -- esperamos contribuições dos leitores do Gávea: 1) Há, em Portugal, falta de informação sobre literatura brasileira de hoje, embora o salto qualitativo das edições tenha sido notável (Bernardo Carvalho, Patrícia Melo, Rubem Fonseca, Sérgio Sant'anna, Raduan Nassar, Adélia Prado, Cecilia Meirelles, Milton Hatoum, Chico Buarque, entre outros, têm sido publicados com regularidade -- depois de um período em que não houve resposta por parte do público) -- embora faltem João Gilberto Noll, por exemplo, Adriana Lisboa, Assis Brasil, por exemplo; 2) Não, não, não. Somos contra a reformatação dos textos. Basta ler, basta ver.

Paulo Francis

António Ramos, outro leitor atento do Gávea, propõe uma página sobre Paulo Francis, a quem dedicaremos em breve alguns posts; é sempre bom lembrá-lo.

Raduan Nassar, correcção

Correcção feita pelo Carlos Cunha (do blog Partículas Elementares, e leitor atento de Nassar): a edição portuguesa dos livros de Raduan Nassar é da Relógio d'Água e não da Cotovia.

setembro 10, 2004

Recensões/resenhas

Mongólia, de Bernardo Carvalho, lido por Claudinei Vieira; Budapeste, de Chico Buarque, lido por Urariano Mota; de Abusado, de Caco Barcellos, por Rodrigo Barreto. Cortesia do site (ah, Flor do Lácio!, devíamos dizer «sítio»?) Capitu

Intercâmbio cultural


Vale a pena, por causa das notas de rodapé. Do género: «Gabriel Alves: famoso locutor esportivo.» Edição brasileira na Ediouro.

Budapeste


Extracto de Budapeste, de Chico Buarque, o prémio recebido em silêncio:
«Fui dar em Budapeste graças a um pouso imprevisto, quando voava de Istambul a Frankfurt, com conexão para o Rio. A companhia ofereceu pernoite num hotel do aeroporto, e só de manhã nos informariam que o problema técnico, responsável por aquela escala, fora na verdade uma denúncia anônima de bomba a bordo. No entanto, espiando por alto o telejornal da meia-noite, eu já me intrigara ao reconhecer o avião da companhia alemã parado na pista do aeroporto local. Aumentei o volume, mas a locução era em húngaro, única língua do mundo que, segundo as más línguas, o diabo respeita. Apaguei a tevê, no Rio eram sete da noite, boa hora para telefonar para casa; atendeu a secretária eletrônica, não deixei recado, nem faria sentido dizer: oi, querida, sou eu, estou em Budapeste, deu um bode no avião, um beijo. Eu deveria estar com sono, mas não estava, então enchi a banheira, espalhei uns sais de banho na água morna e me distraí um tempo amontoando espumas. Estava nisso quando, zil, tocaram a campainha, eu ainda me lembrava que campainha em turco é zil. Enrolado na toalha, atendi à porta e topei um velho com uniforme do hotel, uma gilete descartável na mão. Tinha errado de porta, e ao me ver emitiu um ô gutural, como o de um surdo-mudo. Voltei ao banho, depois achei esquisito hotel de luxo empregar um surdo-mudo como mensageiro. Mas fiquei com o zil na cabeça, é uma boa palavra, zil, muito melhor que campainha. Eu logo a esqueceria, como esquecera os haicais decorados no Japão, os provérbios árabes, o Otchi Tchiornie que cantava em russo, de cada país eu levo assim uma graça, um suvenir volátil. Tenho esse ouvido infantil que pega e larga as línguas com facilidade, se perseverasse poderia aprender o grego, o coreano, até o vasconço. Mas o húngaro, nunca sonhara aprender.»

Os outros romances de Chico Buarque: Benjamim e Estorvo, publicados no Brasil pela Companhia das Letras; em Portugal pela Dom Quixote. Está ainda publicado, pela Companhia das Letras, Chico Buarque: Letra e Música (Vol. 1), reunião das suas canções.

Jabuti: os prémios máximos

Via Folha de São Paulo:

«Chico Buarque e Caco Barcelos são os vencedores do prêmio máximo do Jabuti. A Câmara Brasileira do Livro (CBL) anunciou, na noite de ontem, os dois vencedores das principais categorias do Jabuti, em cerimônia realizada no Memorial da América Latina, em SP.
O livro-reportagem Abusado, de Barcelos, e o romance Budapeste, de Chico, foram eleitos Livro do Ano-Não Ficção e Livro do Ano-Ficção, respectivamente. O anúncio de Barcelos como vencedor foi muito aplaudida. A vitória de Budapeste, ao contrário, foi recebida com silêncio. O livro de Chico não constava da lista de vencedores já conhecida até então, tendo recebido anteriormente menção honrosa como romance.»

Causa estranheza, de facto, esta atribuição do prémio a Budapeste.

Bernardo Carvalho



Além de repetir o Jabuti, este ano, Mongólia, de Bernardo Carvalho recebeu já a distinção de melhor livro pela Associação Paulista de Críticos de Arte e disputa (ver post mais abaixo) o prémio Portugal Telecom Brasil 2004.
Extracto de Mongólia:
«Foi chamado de Ocidental por nômades que não conseguiam dizer o seu nome quando viajou pelos confins da Mongólia. Fazia tempo que eu não ouvia falar dele, até ler a reportagem no jornal. Voltou da China há cinco anos e largou a carreira diplomática. Sua volta intempestiva coincidiu com a eclosão da crise da pneumonia atípica na Ásia, o que pode ter servido de explicação para alguns, mas não para mim. O jornal diz que ele morreu num tiroteio entre a polícia e uma quadrilha de seqüestradores, quando ia pagar o resgate do filho menor no morro do Pavãozinho. Pela idade do garoto, só pode ser o que nasceu em Xangai, logo antes de voltarem para o Brasil, quando ele decidiu mudar de vida sem dar satisfações a ninguém. Ao que parece, também saiu de casa em sigilo, terça-feira de manhã, para pagar o resgate. Não avisou ninguém, muito menos a polícia. Seguiu à risca as ordens dos seqüestradores. Os policiais o seguiram assim mesmo, sem que ele percebesse. O menino foi salvo, mas ele morreu no local. Tinha quarenta e dois anos. Ninguém vai ser responsabilizado, é claro. A polícia alega que ele foi imprudente. Liguei para um diplomata do Itamaraty que vive em Varsóvia e que o conhecia desde pequeno. Eram amigos de infância. Estava muito abalado. Decidira pegar o primeiro avião para o Brasil, que partia de Frankfurt naquela mesma noite. Estava de saída para o aeroporto. Não tinha tempo para falar comigo. [...] A literatura já não tem importância. Bastaria começar a escrever. Ninguém vai prestar atenção no que eu faço. Já não tenho nenhuma desculpa para a mais simples e evidente falta de vontade e de talento. O fato é que a notícia da sua morte me deixou ainda mais prostrado. Foi uma razão a mais para não sair. Não sou um homem especialmente corajoso, e os anos foram me deixando cada vez menos. Em princípio, ele também não era de correr riscos. Mas, ao contrário do que acontecia comigo, a impaciência e o destino o impeliam irremediavelmente na direção do perigo. Foi pensando nisso que, de repente, lembrei que ainda deviam estar comigo as coisas que ele tinha deixado na embaixada de Pequim antes de voltar para Xangai e retomar as funções de vice-cônsul, não por muito tempo.»


Bernardo nasceu no Rio de Janeiro, em 1960 e vive em São Paulo. Foi correspondente da Folha de São Paulo em Paris e Nova York e escreve actualmente para o mesmo jornal. Outros livros de Bernardo Carvalho: Aberração, Onze, Os Bêbados e os Sonâmbulos, Teatro, As Iniciais, Nove Noites.

Jabuti

Os Prémios Jabuti de 2004 foram hoje entregues, em São Paulo, no Memorial da América Latina (e ontem, no Rio, foi entregue o Camões, a Agustina Bessa-Luís). Destaque para Bernardo Carvalho, Mongólia (categoria Romance, edição portuguesa Cotovia); Sérgio Sant'anna, O Vôo da Madrugada (categoria Contos, edição portuguesa Cotovia), Alexei Bueno, Poesia Reunida (categoria Poesia), Caco Barcellos, Abusado (categoria Reportagem e Biografia).
No caso da ficção, Bernardo Carvalho repete o Jabuti -- na lista estiveram nomes como Luiz Antônio Assis Brasil (A Margem Imóvel do Rio), Chico Buarque (Budapeste), que ficaram, respectivamente, em segundo e em terceiro lugar.

Fernando Pessoa

O Estado de São Paulo (link não disponível) anuncia que «2007 será o Ano Fernando Pessoa no Brasil». Colaboração (em São Paulo) entre a Casa Fernando Pessoa, a PUC, a Casa do Saber e a SESC.

Vaidade lusitana... (corando)

O Gávea esteve durante dois dias no primeiro lugar do TopLinks brasileiro. Ah, vaidade, vaidade, tudo é vaidade...

Lêdo Ivo

Não quero achar o que os outros perderam:
as moedas no chão, os guarda-chuvas
esquecidos nos ônibus, e a vida
deixada por engano sobre o asfalto.
Ao que ninguém viu, aspiro; ao que existiria
em forma de mar e árvore, se a natureza habitual não irrompesse
com suas sombras e cigarras e cascatas.
Quero, sonho e adiro o inédito
como a noite no caracol de uma escada
contudo perto das constelações se eu pudesse vê-las de outro planeta.
[...]
Lêdo Ivo


Lêdo Ivo nasceu em Maceió, estado de Alagoas, em 1924. Jornalista, poeta, romancista e ensaísta. Alguns livros: O Caminho sem Aventura, romance (1948); Poesia Observada, ensaios (1967); Finisterra, poesia (1972); Modernismo e Modernidade, ensaio (1972); O Sinal Semafórico, obra poética até 1974; Teoria e Celebração, ensaio (1976); Confissões de um Poeta, autobiografia (1979); A Ética da Aventura, ensaio (1982) A Noite Misteriosa, poesia (1982); A Morte do Brasil, romance (1984); Calabar, poesia (1985); Crepúsculo Civil, poesia (1990).

Mais curiosidades

Já agora, não resisto eu próprio a citar o FalaLíngua e as suas curiosidades:
«Aos dezessete anos, Carlos Drummond de Andrade foi expulso do Colégio Anchieta, em Nova Friburgo (RJ), depois de um desentendimento com o professor de português. Imitava com perfeição a assinatura dos outros. Falsificou a do chefe durante anos para lhe poupar trabalho. Ninguém notou. Tinha a mania de picotar papel e tecidos. "Se não fizer isso, saio matando gente pela rua". Estraçalhou uma camisa nova em folha do neto. "Experimentei, ficou apertada, achei que tinha comprado o número errado. Mas não se impressione, amanhã lhe dou outra igualzinha."»

«Érico Veríssimo era quase tão taciturno quanto o filho Luís Fernando, também escritor. Numa viagem de trem a Cruz Alta, Érico fez uma pergunta que o filho respondeu quatro horas depois, quando chegavam à estação final.»

«Jorge Amado para autorizar a adaptação de Gabriela para a tevê, impôs que o papel principal fosse dado a Sônia Braga. "Por quê?", perguntavam os jornalistas, Jorge respondeu: "O motivo é simples: nós somos amantes." Ficou todo mundo de boca aberta. O clima ficou mais pesado quando Sônia apareceu. Mas ele se levantou e, muito formal disse: "Muito prazer, encantado." Era piada. Os dois nem se conheciam até então.»

«Clarice Lispector era solitária e tinha crises de insônia. Ligava para os amigos e dizia coisas perturbadoras. Imprevisível, era comum ser convidada para jantar e ir embora antes de a comida ser servida.»

Gabinete de curiosidades

Citado pelo Rui Tavares de uma das secções mais visitadas do FalaLíngua; vale a pena:
«Numa das viagens a Portugal, Cecília Meireles marcou um encontro com o poeta Fernando Pessoa no café A Brasileira, em Lisboa. Sentou-se ao meio-dia e esperou em vão até as duas horas da tarde. Decepcionada, voltou para o hotel, onde recebeu um livro autografado pelo autor lusitano. Junto com o exemplar, a explicação para o "furo": Fernando Pessoa tinha lido seu horóscopo pela manhã e concluído que não era um bom dia para o encontro.»

«Manuel Bandeira sempre se gabou de um encontro com Machado de Assis, aos dez anos, numa viagem de trem. Puxou conversa: "O senhor gosta de Camões?" Bandeira recitou uma oitava de Os Lusíadas que o mestre não lembrava. Na velhice, confessou: era mentira. Tinha inventado a história para impressionar os amigos.»

Obrigado ao Rui Tavares.

setembro 09, 2004

Ivan, a Praia, a Gávea


Ivan Nunes, no A Praia:
«Há esta coisa que me faz muita espécie: temos uma língua que, por via de acidentes históricos, é falada por um número incrivelmente maior de pessoas do que aquelas a que a nossa dimensão enquanto país em princípio nos condenaria; e, ainda assim, damo-nos ao luxo de não querer saber do que se faz e escreve em português, de torcer o nariz face ao "sotaque" da escrita brasileira, etc. É como se persistíssemos em querer ser apenas dez milhões, em querer saber apenas do que fazem dez milhões, quando teríamos um acesso muito fácil ao que fazem outros duzentos milhões com a mesma língua. É claro que, inversamente, para mim é também penoso o desconhecimento que os brasileiros em geral têm do que possa ser Portugal hoje, para além do nível da anedota sobre o Joaquim da Padaria. É penoso, sim - não têm a menor ideia, são arrogantes e não querem saber; mas eles sempre têm os números a seu favor.
Nós, pelo nosso lado, temos uma espécie de desdém primeiro-mundista (olha quem) mal assumido, que nos permite olhar para o Brasil e para os brasileiros achando que eles "falam mal", que são atrasados e preguiçosos.»

Relatos de Lagutrop

David Arrobas, no Relatos de Lagutrop:
«Saudade do presidente Figueiredo. Nem só de futebol, praia e bunda é feito o Brasil. Qualquer pessoa atenta sabe isso. Até considera a afirmação uma banalidade. Mas Portugal é pródigo em pessoas desatentas. Em turistas encantados com a natureza, as putas e os preços baixos do Brasil. E broncos em relação ao resto. Broncos e muitas vezes decorados com uma disparatada arrogância cultural. Delambida. Puro complexo de colonizador.»

Nassar

A propósito do extracto-homenagem de ontem, Eugênia Fortes chama a atenção para o conto «Hoje de Madrugada», de Raduan Nassar, fotografado do original, nos Cadernos de Literatura Brasileira do Instituto Moreira Salles. Pode ser lido aqui.

Guimarães Rosa

Paulo Bicarato sobre Guimarães Rosa na Novae, evocando Maio de 1952: Guimarães Rosa começava a viagem que resultou em Grande Sertão: Veredas. Nonada, o neologismo hermético que inicia a fala de Riobaldo Tatarana ao baldear o “Gaiola” rumo ao norte, rumo ao “desejo de Deus”, Diadorim, entraria de vez para o léxico português.

setembro 08, 2004

Sérgio Augusto


Sérgio Augusto é bem conhecido dos cinéfilos: fez crítica em quase tudo o que é jornal e revista brasileira (do JB à Veja, do Estadão à Bundas -- e é autor de um livro notável sobre a chanchada brasileira (Este Mundo é um Pandeiro: Chanchada de Getúlio a JK), o filme série bem lá abaixo. Há dois anos, a Record publicou uma reunião das suas crónicas (com prefácio de Luis Fernando Verissimo) com o título Lado B. Agora, publica um livro sobre o Botafogo, o time carioca de futebol: Botafogo — Entre o Céu e o Inferno (edição Ediouro). Dada a situação do Botafogo no campeonato brasileiro, trata-se mesmo de inferno...
Na mesma colecção, a Camisa 13, está já publicado o livro de Ruy Castro sobre o Flamengo: Vermelho e o Negro. Pequena Grande História do Flamengo o que é notável: rubro-negro como é, Ruy Castro escreveu a biografia de Nelson Rodrigues, um tricolor (Fluminense), e de Garrincha, justamente, um alvinegro (Botafogo).

Gregório de Mattos, mais canónico


«Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.»

Gregório de Mattos ou o turismo em Itaparica nos séculos de ouro, com perdão antecipado

«Ilha de Itaparica, alvas areias,/ Alegres praias, frescas, deleitosas;/ Ricos polvos, lagostas deliciosas,/ Farta de putas, rica de baleias.// As putas tais, ou quais não são más preias,/ Pícaras,ledas, brandas, carinhosas,/ Para o jantar as carnes saborosas,/ O pescado excelente para as ceias.[…]»
Gregório de Mattos e Guerra, que viria a ser conhecido como “o Boca do Inferno”, nasceu em Salvador, na Bahia, a 23 de Dezembro de 1636. Depois de ter vivido em Portugal, representando a Bahia nas Cortes, e de ter cumprido funções eclesiásticas, regressa a Salvador para tmar ordens na diocese. Impedido, explora a sua dimensão de «poeta satírico», mas também lírico, pornográfico, violento. Perseguido, odiado e amado, foi desterrado para Angola. Morre no Recife em 1695, de uma febre contraída na África, com 59 anos, no dia 26 de Novembro.

L.A. Assis Brasil


«Vieram na segunda classe, no mesmo navio que reconduzia para cá D. Pedro II depois de uma visita à Europa. Ela enxergara o Imperador tomando sol no convés mais alto. Abanou-lhe. Foi retribuída. Desde então o Monarca passara a ser apenas um homem como os outros.
– D. Pedro é um homem como os outros – ela um dia disse ao Historiador, provocando-lhe uma reação de espantada incredulidade. Ele nunca pensara nisso. O fascínio imperial estava muito acima dessas contingências humanas.
A primeira coisa do Brasil a chamar a atenção de Cecília foi a selva. Em Portugal a natureza fora domada havia séculos. Aqui, a selva, plena de vapores, crescia por tudo, recobrindo as montanhas do Rio de Janeiro e entranhando-se no caráter das pessoas. A selva possuía algo de misterioso, como um coração.» [Luiz Antônio de Assis Brasil, A Margem Imóvel do Rio, LP&M Editores, 2003.]
Luiz Antônio de Assis Brasil nasceu em Porto Alegre, onde vive, em 1954. É professor universitário e já escreveu um livro de ensaios sobre literatura dos Açores. Entre os seus livros contam-se O Homem Amoroso, Breviário das Terras do Brasil, O Pintor de Retratos (publicado em Portugal) e A Margem Imóvel do Rio, que foi finalista do Prémio Jabuti e é também do Portugal Telecom Brasil.

No mínimo, conversarmos

Agradecimentos ao Pedro Dória, do No Mínimo. E uma pequena resposta às tuas interrogações. Caro Pedro: esse tema (o da «importância da literatura portuguesa», em comparação com a literatura brasileira) daria um blog inteiro. As razões por que uma turma de portugueses cria um endereço na web para falar de literatura brasileira podem ir sendo conhecidas aos poucos e são já uma resposta a essa inquietação. A ignorância, de um e de outro lado do Atlântico, sobre o que se faz na outra margem, é um dos absurdos da nossa vida. Temos de viver com ele.
Muitos portugueses precisavam de uma terapia de choque nesse sentido. Eu tive a minha quando frequentei Literatura Brasileira na universidade. Íamos cheios de Jorge Amado, Graciliano e pouco mais, mas isso garantia uma série de certezas absolutas – Érico Veríssimo estava um pouco deslocado no retrato, era leitura de família. Mas Guimarães Rosa era um mundo longínquo que falava outra língua, Machado uma espécie de subproduto desconhecido (que Eça satirizava em privado, rindo do mulato), os modernos escreviam numa gramática terrível, cheia de sons e de atropelos. Manuel Bandeira, por tradição, conhecíamos, sim, e Vinicius, pelas canções, e Drummond, porque sim. Não vale a pena enumerar as desgraças. O meu professor era o poeta (angolano) Mário António Oliveira. As suas primeiras palavras foram simples: «Lamento desiludi-los, mas a literatura brasileira é muito superior à portuguesa.» Um eco de indignação percorreu a sala. Ele ria. Abençoado riso. Semanas depois percebíamos a provocação. Eu tinha percebido a provocação com Gregório de Mattos (o homem falava de Itaparica e, junto com as águas azuis e transparentes da ilha, falava das putas e dos álcoois), por exemplo, ainda que aceitasse com dificuldade, nesses anos, dividir Tomaz Gonzaga ou Cláudio Manuel da Costa com Ouro Preto (a Inconfidência, aliás, era um pormenor na leitura dos autores brasileiros), e encontrar consonâncias em Castro Alves ou Olavo Bilac (ah, a última flor do Lácio…). Se Capitú traiu ou não, sempre me pareceu assunto secundário, desde que Brás Cubas continuasse a perorar além-túmulo. E, depois, que brincadeira era essa de haver um leitor brasileiro de Sterne? Preconceito sincero. Quando Antônio Cândido teve o Premio Camões, houve mesmo um professor de uma universidade de Lisboa (e de literatura, e de esquerda, e que participava em jornadas de apoio ao PT…) que desabafou para os jornais: «É essa mania de premiarem os desconhecidos…» Coitado do Antônio Cândido. Vocês também não se portavam muito melhor, é preciso dizer. Quanto ao preconceito, nessas aulas de literatura, desapareceu com o tempo e com uma dose de ciúmes assombrosa, quando se descobriu que Oswald de Andrade tinha seduzido Isadora Duncan daquela maneira gloriosa, como um canibal de verdade. Eça riu dos paulistas que se atiraram aos pés de Sarah Bernhard, mas a verdade é que os autores portugueses não tiveram grandes momentos de exuberância, pequeninos e confinados a um mundo de fronteiras curtas. Isto também tem os seus exageros, mas a culpa também é vossa. Não sei porquê. Deve ser dessa mania de implicarem com os portugas, não sei; e de os portugueses fingirem que são tão sérios que ainda não aprenderam a brincar. Temos de viver com isso.

Links

O Gávea começa a mexer. Obrigado aos visitantes e aos que se referiram ao blog. A ideia não é a de competir por um lugar no top, mas apenas a de deixar disponível alguma informação sobre o que nos interessa da literatura brasileira – e de outras matérias que virão com o tempo. Agradecemos aos leitores do Gávea, por isso, a indicação de links que possam ser disponibilizados para quem quer conhecer mais dos livros brasileiros de hoje – e da literatura brasileira de qualquer idade. O Gávea não tem estatuto editorial nem carta de princípios – nem lamechices – e está disponível para receber essa colaboração.

Diogo Mainardi


«Em 1741, o herege português Pedro De Rates Henequim baseou-se nas Escrituras para afirmar que o Brasil era o autêntico paraíso terrestre, o Éden, o jardim das delícias. O nome Adão, em hebraico, significa “vermelho”. Entendeu? De acordo com Pedro de Rates Henequim, Adão pertencia à raça vermelha, sendo um antepassado dos nossos indígenas. O Livro dos Cânticos “é todo profecia do Brasil”, como atesta a referência à bebida de milho pisada fabricada por nossos selvagens. […] Pedro de Rates Henequim incorreu também em inúmeros desvarios geográficos, afirmando que o Brasil só sobreviveu ao Dilúvio Universal porque “é uma ilha que se gira em rodas sobre o mar”. Felizmente, foi capturado pelo tribunal da Inquisição, que teve o bom senso de condená-lo à pena de estrangulamento pelo garrote, como a ordem suplementar de queimar todos os seus restos, “de sorte que nem delle nem de sua sepultura possa haver memoria alguma”.» [Diogo Mainardi, Contra o Brasil. Companhia das Letras, 1998.]

Diogo Mainardi nasceu em 1962. Viveu durante alguns anos na Europa (Inglaterra e Itália), é colunista semanal da Veja e participa no programa Manhattan Connection, do canal de cabo GNT. Publicou vários livros: Malthus, Arquipélago, Polígono das Secas e Contra o Brasil, todos na Companhia das Letras.

Mais livrarias

Foram adicionadas mais duas livrarias para serem frequentadas online: a Cultura e a Livraria da Vila. Referências de São Paulo.
Nota muito pessoal infelizmente, para quem vive fora do Brasil, a Ornabi não tem site – trata-se de um dos sebos (alfarrabistas) históricos da cidade. O fundador, um português, recolheu aqui algumas centenas de milhar de títulos. Para quem vive no Brasil, aconselha-se uma visita.

setembro 07, 2004

Biblioteca no Metro

Da Folha de São Paulo (link não disponível):
«Inaugurada na quarta-feira, na estação Paraíso, a biblioteca "Embarque na Leitura" é a primeira no país a ser instalada em uma estação metroviária.
O acervo inicial possui 4.000 volumes de gêneros diversos: literatura nacional e estrangeira, livros infanto-juvenis, além de áreas temáticas como sociologia, artes e filosofia. Há também uma Bíblia em braile. O projeto é realizado pelo Instituto Brasil Leitor em parceria com a Secretaria dos Transportes Metropolitanos e com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura. Duas empresas privadas cobrem o custo total do empreendimento.
Para se cadastrar, os usuários precisam apresentar documento de identidade, comprovante de residência e uma foto 3x4. Menores de 12 anos devem ir acompanhados dos pais. Cada pessoa pode pegar um livro por vez e tem direito a ficar com ele por dez dias.
Além da biblioteca, está prevista a realização de conversas com escritores e contadores de histórias e tardes de autógrafos. A proposta é criar mais nove bibliotecas no metrô de São Paulo, mas não há previsão de quando isso será feito.»

João Gilberto Noll


É uma pena que João Gilberto Noll ainda não esteja publicado em Portugal. Acaba de ser publicado Lorde (edição W11/Francis). Os livros de Noll são curtos, sombrios como as águas do sul.
João Gilberto Noll nasceu em Porto Alegre, em 1946; foi jornalista e colaborador de muitos jornais e revistas, ensinou em universidades americanas e brasileiras. Outros livros a ler: Bandoleiros, Hotel Atlântico, Harmada, A Céu Aberto, Canoas e Marolas, Berkeley em Bellagio, por exemplo.

Chico Buarque. Entrevista

«Li um romance do Pirandello, a quem só conhecia como autor de teatro. Tenho lido bastante, existe um autor novo que gosto muito, o João Paulo Cuenca. E um português chamado Mário de Carvalho, muito bom. A minha leitura é muito indisciplinada. Vou lendo o que cai na minha mão, passo às vezes algum tempo sem escrever nada. Quando estou escrevendo, não leio. Mas, mais uma vez, essa leitura recente dificilmente vai mexer com a minha formação literária.»
Entrevista de Chico Buarque à BBC/Brasil, via Folha de São Paulo.

Raduan Nassar



«Nem foi preciso fazer um voto de pobreza, mas fiz há muito o voto de ignorância, e hoje, beirando os quarenta, estou fazendo também o meu voto de castidade. Você tem razão, Paula: não chego sequer a conservador, sou simplesmente um obscurantista. Mas deixe este obscurantista em paz, afinal, ele nunca se preocupou em fazer proselitismo.» [De Menina a Caminho, 1997.]
Raduan Nassar nasceu em Novembro de 1935 numa família de origem libanesa. Além de Menina a Caminho, os outros livros de Raduan Nassar, publicados pela Companhia das Letras: Lavoura Arcaica e Um Copo de Cólera. Publicados em Portugal pela Relógio d'Água.

Tom Jobim para Vinicius de Moraes, via Maira Parula

Ainda do Prosa Caótica, uma carta de Tom Jobim a Vinicius de Moraes, de 1965:
«Morro de saudades. Acordo de madrugada e fico vagando pela casa, tomando café e fumando com aquele sentimento esquisito de lack of rabanadas. Recebi tua carta hoje de manhã, agora mesmo, às nove horas, e faz um dia lindo. Aquele frio lá fora, o céu azul transparente mostra que a poluição diminuiu bastante... Para mim seis degraus centígrados é frio à beça. Corro para dentro e ligo o heat na toda, no clima supertropical de Ipanamo. Mas o ar fica seco, racha-violão. Só mesmo no banheiro, com o chuveiro quente ligado, nu, de camisa de meia, na umidade das nuvens de vapor quente, fazendo uma infinita barba, com aparelho, pincel e muita espuma e respuma, gilete nova, desligado, num mundo sem problemas, só fico assim mais como Ipanerma, Ipanoma, Ipaderma, Ipanonha, Aipinina, Ipatonha... Ipanhonha?»

Blogs 3

O blog Prosa Caótica mantém há bastante tempo uma relação cordial com a literatura e os seus autores-obsessão. Assinado por Maira Parula, é uma das referências a ler com frequência. Há dias, publicou uma pequena homenagem a Jorge Luis Borges, «A Biblioteca de Bebel»:
«Se eu digo que nos galhos de um cedro do Líbano costumavam se aninhar todas as aves dos céus. Que à sua sombra se acolhiam todos os animais dos campos e descansava toda a espécie de gente. Se eu digo que meus ouvidos mortais não foram preparados para o som de cânticos, das harpas, das liras e dos címbalos. Que, antes disso, as ruas abertas de minha infância transformaram em mármore as tardes que hoje busco na memória. Se eu digo que minha raça, classe e sexo são definitivamente a garatuja de tudo aquilo que sou. Que tudo aquilo que sou poderia muito bem acomodar-se no espaço entre uma vírgula e um ponto num rodapé desnecessário. Que não tenho a pretensão das páginas elegantes para pendurar minhas reflexões rudimentares de minha vidinha rudimentar, muito menos quinhentos séculos de dúvidas. Se eu ainda assim digo que não acredito num livro total porque sempre desconfiei dos místicos e do seu Deus circular de lombada contínua, é porque, depois de tudo o que acabei de dizer ou que me disseram, o meu universo não é uma biblioteca, ou porque qualquer coisa que eu venha a dizer ou escrever não passam de letras soltas de uma história inteira de que quase nem lembro.»

Portugal Telecom Brasil

O prémio Portugal Telecom de Literatura Brasileira 2004 será anunciado no dia 9 de novembro, em São Paulo e arrisca-se a ser considerado um dos prémios de referência para a edição brasileira. Entre os finalistas estão Mongólia, de Bernardo Carvalho, Céu de Lona, de Décio Pignatari, Budapeste, de Chico Buarque, Memórias Inventadas: A Infância, de Manoel de Barros, Macau, de Paulo Henrique Brito, O Vôo da Madrugada, de Sérgio Sant'Anna, A margem Imóvel do Rio, de Luis Antônio de Assis Brasil ou Geografia Íntima do Deserto, de Micheliny Verunschk. Estão publicados em Portugal os livros de Bernardo Carvalho (Cotovia), Chico Buarque (Dom Quixote) e Sérgio Sant'anna (Cotovia).

Romance brasileiro


Marisa Lajolo é professora de Teoria Literária na Unicamp, e trabalhou na Brown, onde aliás existe um bom departamento de literaturas românicas e hispânicas. A Objetiva lançou Como e Por Que Ler o Romance Brasileiro, numa colecção inspirada pelo título de Harold Bloom, e na qual já foram publicados os títulos Como e por que Ler os Clássicos Universais desde Cedo, de Ana Maria Machado, e Como e por que ler a Poesia Brasileira do Século XX, de Ítalo Moriconi. Pode ser uma interessante introdução ao tema.

Imprensa, mais asneira

A questão da «liberdade de imprensa» tinha de dar nisto.

Acordo ortográfico

De resto, Sérgio Rodrigues já tinha escrito sobre o «acordo ortográfico» antes; é um assunto a acompanhar. No Brasil, a imprensa raramente fala dele; em Portugal, há um certo ar escandalizado por boa parte dos colunistas, que temem perder a língua. Ora, só se perde o que não se usa, salvo erro.

Preconceito linguístico, preconceito lingüístico

Sérgio Rodrigues escreve sobre o assunto, e merece atenção:
«A idéia de “preconceito lingüístico”, popularizada pelo lingüista Marcos Bagno, da UnB, é de longe a mais pop criada pela moderna lingüística brasileira. Prestando atenção, vamos flagrar a patrulha espontânea do “preconceito lingüístico” em plena ação aqui e ali, em grupos de discussão na internet ou no bar, reagindo a qualquer reparo crítico que tenha a língua por alvo. Para ficar num exemplo só: outro dia, numa comunidade online dessas que estão na moda, um cidadão de Portugal se assustou com a expressão “linha do tempo” que um brasileiro usara. Propôs sua substituição por “cronologia” e a chamou de “brasileirismo horroroso”. Reação – compreensível – do nosso conterrâneo: “Olha o preconceito lingüístico aí!”.»

Posta restante

Obrigado Rui F. Santos, que escreveu por email: «Como sabe bem Nelson, Clarice e Luis Fernando em poucas linhas, assim bem arrumadinhos, jeitosos e arejados. Na estupidez e horror vulgar dos dias, temos que nos agarrar a estas pequenas miragens de salvação. [...] Ver Nelson a acender o cigarro e Clarice a espreitar assim a modos de que lhe está a fugir o infinito é a garantia de uma noite de domingo mais prazenteira.»

Realidade e Ficção

Amaury Veras, 53 anos, estilista (moda) foi encontrado morto na sua casa do Arpoador, pendurado por uma écharpe na porta do seu quarto. O caso tem agitado, sobretudo aquele tipo de gente que gosta de dizer «griffe» e de mencionar o termo «ícones» (uma das melhores frases foi a da actriz Ingrid Guimarães: «O fato não condiz com a pessoa. Ele era zen, não acredito que possa ter se matado.» O blog Farsantes toca num ponto essencial, para lá da vida e da morte: «Rubem Fonseca deve estar se roendo.» Um crime assim não é de todos os dias, um estilista pendurado por uma écharpe.