setembro 08, 2004

No mínimo, conversarmos

Agradecimentos ao Pedro Dória, do No Mínimo. E uma pequena resposta às tuas interrogações. Caro Pedro: esse tema (o da «importância da literatura portuguesa», em comparação com a literatura brasileira) daria um blog inteiro. As razões por que uma turma de portugueses cria um endereço na web para falar de literatura brasileira podem ir sendo conhecidas aos poucos e são já uma resposta a essa inquietação. A ignorância, de um e de outro lado do Atlântico, sobre o que se faz na outra margem, é um dos absurdos da nossa vida. Temos de viver com ele.
Muitos portugueses precisavam de uma terapia de choque nesse sentido. Eu tive a minha quando frequentei Literatura Brasileira na universidade. Íamos cheios de Jorge Amado, Graciliano e pouco mais, mas isso garantia uma série de certezas absolutas – Érico Veríssimo estava um pouco deslocado no retrato, era leitura de família. Mas Guimarães Rosa era um mundo longínquo que falava outra língua, Machado uma espécie de subproduto desconhecido (que Eça satirizava em privado, rindo do mulato), os modernos escreviam numa gramática terrível, cheia de sons e de atropelos. Manuel Bandeira, por tradição, conhecíamos, sim, e Vinicius, pelas canções, e Drummond, porque sim. Não vale a pena enumerar as desgraças. O meu professor era o poeta (angolano) Mário António Oliveira. As suas primeiras palavras foram simples: «Lamento desiludi-los, mas a literatura brasileira é muito superior à portuguesa.» Um eco de indignação percorreu a sala. Ele ria. Abençoado riso. Semanas depois percebíamos a provocação. Eu tinha percebido a provocação com Gregório de Mattos (o homem falava de Itaparica e, junto com as águas azuis e transparentes da ilha, falava das putas e dos álcoois), por exemplo, ainda que aceitasse com dificuldade, nesses anos, dividir Tomaz Gonzaga ou Cláudio Manuel da Costa com Ouro Preto (a Inconfidência, aliás, era um pormenor na leitura dos autores brasileiros), e encontrar consonâncias em Castro Alves ou Olavo Bilac (ah, a última flor do Lácio…). Se Capitú traiu ou não, sempre me pareceu assunto secundário, desde que Brás Cubas continuasse a perorar além-túmulo. E, depois, que brincadeira era essa de haver um leitor brasileiro de Sterne? Preconceito sincero. Quando Antônio Cândido teve o Premio Camões, houve mesmo um professor de uma universidade de Lisboa (e de literatura, e de esquerda, e que participava em jornadas de apoio ao PT…) que desabafou para os jornais: «É essa mania de premiarem os desconhecidos…» Coitado do Antônio Cândido. Vocês também não se portavam muito melhor, é preciso dizer. Quanto ao preconceito, nessas aulas de literatura, desapareceu com o tempo e com uma dose de ciúmes assombrosa, quando se descobriu que Oswald de Andrade tinha seduzido Isadora Duncan daquela maneira gloriosa, como um canibal de verdade. Eça riu dos paulistas que se atiraram aos pés de Sarah Bernhard, mas a verdade é que os autores portugueses não tiveram grandes momentos de exuberância, pequeninos e confinados a um mundo de fronteiras curtas. Isto também tem os seus exageros, mas a culpa também é vossa. Não sei porquê. Deve ser dessa mania de implicarem com os portugas, não sei; e de os portugueses fingirem que são tão sérios que ainda não aprenderam a brincar. Temos de viver com isso.

2 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns pelo blogue!Que haja, da parte de autores brasileiros uma contrapartida, criando um blogue sobre literatura portuguesa.
Também eu achei estranho o desconhecimento de António Cândido em Portugal.Eu conheço-o desde 1965, ano em que adquiri a sua obra Formação da Literatura Brasileira, a conselho do meu prof.de Literatura Brasileira, Prof(já falecido) e poeta Guilhermino César, que recordo com emoção e carinho.
Mas também eu não sei se os brasileiros conhecem, por exemplo, Agustina, Sophia, Eduardo Lourenço, Maria Velho da Costa, Vergílio Ferreira...
Felizmente a net tem dufundido e dado a conhecer autores de toda a parte, em lista/grupos de poesia e em blogues ou páginas.
Para quando a supressão ou redução dos elevados portes de correio entre os nossos dois países, no que ao livro e discos respeita?

Amélia Pais

F disse...

Cara Amélia,
eu compreendo que até os estudantes universitários de literatura brasileira em Portugal não conheçam Antônio Candido. Mas um professor da Faculdade de Letras de Lisboa, que já esteve várias vezes em universidades brasileiras, que já escreveu sobre literatura brasileira (marginalmente, um assunto menor: que comentou o nascimento do PT brasileiro, a que Candido esteve ligado)... Não lhe parece extraordinário? Por outro lado, nas universidades onde tenho andado, os estudantes brasileiros que se interessam minimamente por literatura portuguesa conhecem todos esses autores. É a vida.