outubro 22, 2005

Neo-colonialismo e literatura.

A Carta Capital, uma boa revista brasileira que começou por ser apenas de economia, publicou um texto de Miguel Sanches Neto com queixinhas sobre os escritores portugueses, intrusos no Brasil, e com uma inabitual lengalenga sobre neo-colonialismo (que o governo português envia hordas de escritores para o Brasil) e nacional-proteccionismo (que o português do Brasil é melhor do que português europeu -- o que tem uma raiz verdadeira, mas dito assim...). Como este blog está à vontade em matéria brasileira e luso-brasileira, acho que o texto era medíocre, invejoso e senil. O embaixador português no Brasil, Francisco Seixas da Costa, achou que o assunto merecia um reparo. Está aqui a sua resposta, na íntegra. Boa diplomacia também é isto: responder quando alguém pergunta alguma coisa.

«No Brasil há menos de um ano, aprendi rápido que a abertura ao mundo constitui uma das matrizes deste país, fruto da sua permanente convivência descomplexada com a diferença. A brasilidade fez-se e firmou-se sobre todas as marcas e referências que aqui chegaram, usando-as e transformando-as num magma cultural original, com uma identidade fortíssima, que hoje não precisa de defesas artificiais para se afirmar.

Por tudo isso, foi com alguma surpresa que li o artigo de Miguel Sanches Neto, “Brasil recolonizado”, onde é feita uma aberta apologia do proteccionismo linguístico, do fechamento da fronteira cultural do Brasil à nova literatura portuguesa, tida por poluente veículo de uma estética convencional, apoiada numa norma escrita já decrépita, fechada à sacralização da oralidade. A crer no autor, urge afundar no horizonte, pela crítica profilática, as novas naus de letras que agora trazem por aí Inês Pedrosa, Sousa Tavares, Lídia Jorge, Lobo Antunes, Hélder Macedo, Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto, Francisco José Viegas, Rui Zink e tantos e tantos outros, com o usurpador nobélico Saramago na proa. Por que não se deixa que sejam os leitores brasileiros a usar a sua maturidade para separar o trigo do joio, o que gostam ou não, sem necessitarem de filtros tutelares preventivos?

Faço a justiça de não colocar Sanches Neto nos cultores do despeito atávico pelo que vem da “terrinha”, coisa velha em algumas mentalidades residuais, onde o anti-portuguesismo – essa doença infantil da brasilidade – se mantém recorrente, espreitando pelas esquinas do preconceito, sobrevivendo em algumas vozes e penas, no desespero em tentar fazer do Brasil e de Portugal dois países separados por uma língua comum. Mas é bem triste ver adubada e ajudada essa mesma deriva por figuras da cultura, dando verniz ideológico e intelectual ao preconceito.

Deixo apenas uma nota mais.

Na minha juventude em Portugal, a ditadura não se atrevia a privar-nos de Amado, Guimarães Rosa ou Veríssimo, a afastar-nos da Pasárgada da esperança acenada por Bandeira, que nos ajudava a sonhar longe dos “mortos de sobrecasaca” que nos rondavam os dias. Se alguém hoje ousasse por lá dizer que Nélida Piñon, Ferreira Gullar, Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca, João Ubaldo Ribeiro ou o outro Veríssimo afectavam a estética literária caseira teria, como resposta, uma gargalhada do tamanho do Atlântico, ouvida no Além pela velhinha de Taubaté.

Francisco Seixas da Costa, Embaixador de Portugal no Brasil.»

7 comentários:

Marco Mendes Velho disse...

Não pude deixar de reparar que há uma série de nomes maiores da literatura portuguesa que não marcam presença na sua listagem da coluna vertebral (que a não é no seu blog apenas por estar deslocada para a direita)da literatura portuguesa, mesmo aqui ao lado. Camilo Pessanha, Urbano Tavares Rodrigues, Adília Lopes ou Manuel Tiago são apenas alguns dos ausentes. Sendo o FJV tão meticuloso e tão arreigadamente salomónico, esse ausência ganha raiz em alguma razão particular?

Anónimo disse...

Eu acho que há espaço em nosso país para não só todos os escritores portugueses quanto para escritores de outras nações. Esse tipo de artigo é feito, muitas vezes, pra fabricar uma polêmica artificial e "rechear e vender" revistas. Se estamos sendo "invadidos" pelos portugueses, também estamos invadindo Portugal: Lygia Fagundes Telles, Sérgio Sant'Anna, Bernardo Carvalho, Autran Dourado, Verônica Stigger (que teve seu primeiro livro publicado em Portugal e só depois no Brasil), só para citar alguns. Quanto a mim, gostaria que Inês Pedrosa, Mario de Carvalho, Francisco José Viegas, Adília Lopes, António Veira, António Lobo Antunes, Eduardo Pitta, José Eduardo Agualusa (que nem exatamente português é) continuassem a nos "colonizar" culturalmente. Por favor! Nossos portos literários estão abertos, venham! venham! venham! Somos um povo antropofágico (viva São Oswald!), e tudo de fora é bem-vindo, sobretudo a literatura de nossos irmãos portugueses.

Sérgio Aires disse...

Pura e simplesmente não há pachorra para tanta estupidez e mesquinhez. Saberá o Sr. Sanchez Neto quantos livros de origem inglesa, italiana ou espanhola são publicados por dia no Brasil?

Silvia Chueire disse...

É ridícula a opinião do Sr.sanches Neto.E além disso demonstra uma certa ignorância sobre mercados,livros,literaturas.Logo agora que começa a necessária troca . FRancamente...
Melhor que editássemos, como editamos, montes de americanos. Meu Deus, é inacreditável.
E logo ele ( repito a espressão ) que se diz escritor, premiado e tudo, mesmo escrevendo uma literatura de qualidade questionável.

Anónimo disse...

O texto do Miguel Sanches Neto na Carta Capital é genial, os portugas estão fazendo jogo sujo pagando subsídios de 60% nos livros publicados aqui no Brasil matando principalmente as pequenas editoras brasileiras que não tem como competir no mercadp e em conseqüência a literatura brasileira, espero que o Ministério da Cultura tome providências urgentes contra esse atentado a nossa literatura perpretado por esses canalhas portugas.

Quanto a diarréia verborrágica do embaixador portuga da mediocridade, não vale nem um comentário para um texto tão babaca e idiota, deviam chutar esse "manél" de volta pra terrinha dele. Viva o Brasil e os Brasileiros. Viva a Língua Brasileira!

Anónimo disse...

Em tempo corrijo dois erros de digitação: "sanches" deveria ter sido "Sanches" e "espressão" deveria ter sido "expressão" (pois ainda que haja diferenças entre o português de cá e de lá, esta não é uma delas). Foi a pressa.

Aproveito para acrescentar um comentário ao comentário do senhor Ricardo: os livros dos autores portugueses que têm subsídio são uma minoria; e se isso acontece, o senhor Ricardo, ao invés de se queixar do governo português, deveria queixar-se do governo brasileiro, por não fazer a mesma política de incentivo á publicação dos autores braisileiros em Portugal.

Saudações,
Silvia Chueire

Anónimo disse...

Sr. Francisco José Viegas,

como brasileiro, não posso deixar de demonstrar a minha indignação perante determinada corrente de pensamento bastante difundida entre a classe média do meu país, a de uma pretensa língua “brasileira”, que infelizmente tem encontrado eco nas mentes mais xenófobas que habitam este universo virtual. No Orkut, nomeadamente, confesso que tenho abertamente criticado esta tese absurda que, felizmente, grassa em mentes menos esclarecidas.
Tenho o maior orgulho de ter sido colonizado por Portugal, enquanto cidadão, e a plena consciência de que falamos a mesma língua, certeza esta solidificada após 13 anos a trabalhar como jornalista em rádios e jornais do distrito de Santarém.
Não fossem os portugueses e o Brasil não seria o Brasil que conhecemos, o Brasil da bossa-nova, de Tom Jobim, Vinícius de Moraes, e tantos outros artistas da nossa MPB. Não fossem os portugueses, não teríamos a oportunidade de ouvir a Amália Rodrigues cantar um fado de Vinícius nem o Caetano Veloso interpretar um tema da grande cantora portuguesa. Não teríamos Jorge Amado, Érico Verísssimo e tantos outros. Felizmente, a grande maioria do povo brasileiro e a totalidade da nossa inteligentsia tupiniquim não alinha com esta teoria ufanista, nada e criada nos círculos mais conservadores e reacionários. Eça de Queirós foi sempre o escritor estrangeiro mais lido no Brasil e, mais recentemente, José Saramago conquistou os brasileiros, assim como o grupo Madredeus vê o seu público aumentar. Miguel Sousa Tavares foi citado diversas vezes pela revista Veja, que elogiou o seu romance Equador, e ainda foi convidado do programa de Jô Soares, assim como o jornalista Carlos Fino, que recentemente passou por lá.
É fato que artistas e intelectuais dos dois lados do Atlântico tem mantido uma sólida relação de amizade que dura décadas. Vinícius visitava Amália nas suas idas a Portugal e percorria as tertúlias de Coimbra ciceroneado por Nicolau Breyner e José Niza. Quando Caetano Veloso viveu exilado em Londres no início dos anos 70, firmou amizade com Zeca Afonso, que gravava por lá os seus discos e tinha a presença assídua do baiano no estúdio. É, portanto, ridículo qualquer argumento que venha inventar uma língua brasileira ou até mesmo, o que me é difícil acreditar, que os livros de autores portugueses sejam boicotados no Brasil. Basta uma simples pesquisa pelo Google para perceber que a maioria dos sites na internet sobre Fernando Pessoa é mantido por brasileiros.
Eu sou um sebastianista, acredito na fatalidade que colocou vários povos a falar a mesma língua e que o nosso caminho é mais ou menos por aí, por uma afirmação da nossa língua enquanto identidade cultural, enriquecida pelas diversas variantes do nosso idioma. A chegada dos escritores portugueses será sempre bem vinda, assim como qualquer outra manifestação cultural.

Sasha Cavalcante